O último título conquistado pela nossa seleção em mundial contou com uma “ajudinha” do, até então melhor goleiro do mundo, Oliver Kahn. 17 anos depois resolvemos dar uma olhadinha mais a fundo, não para julgar, mas sim entender o que pode ter ocasionado a falha.
O Ano é 2002, o Brasil, sempre forte em Copas do Mundo, chega a mais uma final, a terceira consecutiva. Do outro lado uma Alemanha de respeito. No gol, um dos melhores goleiros da época. Multi campeão e respeitado em toda Europa, Kahn foi eleito, mesmo antes de ter jogado a final, o melhor goleiro do torneio. Muito contestado, mas fazendo por onde até o determinado momento.
Jogo duro e emocionante como pede uma final de Copa do Mundo. Primeiro tempo, o Brasil cria muitas chances mas acaba esbarrando no travessão e em Kahn. O segundo tempo começa e então é a vez do goleiro Marcos mostrar serviço em defesa na cobrança de falta da Alemanha que tinha endereço certo. Aos 21 minutos vem o lance que tanto nos interessa.
Contra ataque do Brasil. Ronaldo tem a bola, tenta driblar e acaba perdendo-a, mesmo assim não desiste. Levanta e luta. Em lance contestado pelos alemães, rouba a bola e passa para Rivaldo que, sem pensar, chuta para o gol. Kahn tem por alguns décimos de segundos a visão encoberta e é pego de surpresa. “Solta” uma bola considerada “boba” nos pés de Ronaldo e pra piorar acaba escorregando no momento da recuperação, tirando, assim, todas as chances de defesa. Um a zero Brasil, lance que parece atordoar não somente o melhor goleiro da atualidade, mas sim sua seleção e todos alemães que assistem sem acreditar no que estava acontecendo.
Visto a olho nu, parece apenas um erro banal. O que chama atenção é que nesse nível, num jogo dessa proporção tais erros são difíceis de acontecer e quando acontecem são um prato cheio para quem quer entender os por quês. E no meu caso (Valdir Bardi), busco entender e trabalhar para que os mesmos erros não aconteçam com meus goleiros.
Os erros são sucessíveis e se auto-complementam. É como enfileirar peças de dominó e empurrar a primeira peça… está feito o serviço. Vamos então enfileirar e empurrar essas peças:
1 – No momento em que Rivaldo faz o domínio da bola um dos zagueiros corre pra trás, com intenção de fazer a cobertura e acompanhar Ronaldo. O outro zagueiro, fica na indecisão de correr para trás também. Quando percebe que é ele quem tem que atacar a bola, cria-se um espaço de dois metros e esse espaço acaba não sendo suficiente para bloquear e, pior, ainda acaba atrapalhando por importantes instantes a visão do goleiro Oliver Kahn.
2 – Mas por qual motivo esses instantes são tão preciosos? Pois bem, são os olhos quem mandam a informação para o córtex frontal, ele recebe e através das sinapses manda a informação para o cérebro, que retorna com a decisão a se tomar para o corpo. Tudo isso numa velocidade de 300 milésimos de segundos (acredite, tudo isso é treinável). Após “tudo” isso, o corpo percebe o que tem que fazer.
3 – Ação. O corpo em desequilíbrio ainda sofre com o balanço da bola, que parece fazer um leve desvio antes de chegar às mãos do goleiro. Pra piorar, seu posicionamento de expectativa é muito alto, falta a coordenação para entrar com a perna esquerda na bola. As mãos estão tão juntas que mal conseguem rebater para o lado. A bola acaba saindo para frente. A oportunidade que Ronaldo esperava e ele não perdoa. 1 a 0 pro Brasil.
Do ponto de partida do chute de Rivaldo até a finalização de Ronaldo são incríveis três segundos. Três segundos que valem um titulo do maior campeonato de esportes do planeta. E Kahn resumiu assim esses segundos: “Não há consolo para o que eu fiz. Eu cometi um erro, o único em sete jogos, e fui brutalmente punido. É muito mais amargo quando se erra numa decisão. Eu deveria ter segurado a bola. De qualquer forma, a vida continua.”
Qual a lição que fica?
Aprendemos que toda ação visível é resultado de um momento prévio não visível relacionado com processos que são mentais e altamente treináveis. Logo, se somente treinar a ação dos movimentos estaremos trabalhando a última parte desse processo, ou seja a ação. Não tirando o mérito deste tipo de trabalho, pois como já mencionamos, são ações simultâneas e relativas uma a outra, tendo cada uma sua importância e NUNCA podem ser negligenciadas.
Espero que, assim como eu, vocês possam ter aprendido um pouco mais.
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