- Rogger da Costa
O goleiro “azarado” que sobreviveu a 06/02/1958
Atualizado: 15 de mai. de 2020
Foto: Internet
Aos 87 anos, Gregg é um dos últimos sobreviventes do que ficou conhecido como desastre aéreo de Munique. Em 1958, o voo 609 da British European Airways, que levava o elenco do Manchester United, caiu na terceira tentativa de decolagem. Foram 23 mortos. Oito deles, jogadores. Outros dois nunca atuaram novamente.
Gregg era o goleiro de uma das maiores equipes da história do futebol europeu, desfeita pelo acidente. Considerado um dos heróis da tragédia, saiu ferido dos destroços do avião e ajudou a resgatar outras vítimas. Entre as pessoas que estavam na aeronave, apenas ele e Bobby Charlton estão vivos hoje.
São 62 anos que Gregg vive com esse fantasma. Um peso com o qual aprendeu a conviver, não superar.
“É uma luta diária. É traumático demais para ficar no passado e está comigo o tempo todo. Quando qualquer coisa acontece, fica forte a lembrança. Por isso também que esta tragédia mais recente (da Chape), me abalou muito”, confessa com a voz pausada, de quem tenta controlar a emoção.
Um dos maiores goleiros da história do Manchester United, se considera que o irlandês teve uma carreira azarada. Atuou 247 vezes pelo clube e não tem uma medalha de campeão. Contusão o impediu de jogar a final da Copa da Inglaterra de 1963. Problemas musculares não deixaram ter o número de partidas mínimas para ser premiado pelas conquistas da liga de 1965 e 1967.
Mas como o sobrevivente de um acidente aéreo de tais proporções pode ser chamado de “azarado”?
Poucos meses depois da queda e apesar das restrições da mulher, voltou ao futebol, tentativa de retornar à vida normal.
“Minha família escondia os jornais para que eu não visse as notícias sobre quem havia morrido no hospital ou quem se recuperava. Se ficasse só em casa, teria enlouquecido. Você não dorme à noite. É pesadelo que te consome. Eu tinha de voltar a jogar. Minha família não queria, mas tinha de tentar levar a vida.”
No acidente aéreo de Munique, Gregg perdeu amigos como Duncan Edwards e Billy Whelan. Viu seu colega de infância Jackie Blanchflower abandonar a carreira. E presenciou que todos os sobreviventes nunca mais foram os mesmos. Inclusive o goleiro.
“Eu nunca mais fui a mesma pessoa. Todos os que sobreviveram, de uma forma ou de outra, mudaram. Todos nós perdemos um pouco da alegria que tínhamos.”
Harry Gregg nunca esteve no Brasil, embora tenha citado três vezes o “maravilhoso país” em entrevista ao LANCE!. Nos 25 jogos pela Irlanda do Norte, não se lembra de ter enfrentado a seleção brasileira.
06/02/1958
O 6 de fevereiro de 1958, quando aconteceu o acidente aéreo em Munique, virou data emblemática do futebol inglês. O Manchester United criou uma série de homenagens permanentes às vítimas.
No museu do clube, há uma galeria permanente sobre a tragédia, assim como fora do estádio um mural relembra os nomes dos mortos. Um dos mais reverenciados é o de Duncan Edwards que, aos 21 anos era considerado o futuro do futebol britânico para a década seguinte.
“Ele morreu no hospital 15 dias depois do acidente. Era muito jovem, mas tinha um talento inacreditável. Nunca atingiu seu real potencial como jogador”, observa Gregg.
A tragédia também colocou o técnico Sir Matt Busby na história do clube, no mesmo patamar que hoje tem Sir Alex Ferguson. Ele teve de reconstruir um dos maiores times da história do futebol inglês e criar novo elenco vencedor. Dez anos mais tarde, o Manchester United conquistou a Copa da Europa (atual Liga dos Campeões), ao ganhar do Benfica, em Wembley.
Próximo ao final da entrevista, o LANCE! realizou um “bate-bola” com Harry Gregg, confira abaixo:
L: Como alguém passa por uma situação como essa e consegue seguir adiante? HG: Eu voltei a jogar porque precisava me manter ativo. Precisava me sentir vivo. Se ficasse em casa o tempo todo, escondido do mundo, teria ficado insano. O Manchester United estava se reerguendo depois da tragédia. O clube precisava de mim como eu precisava do clube.
L: Como foram os momentos após a queda do avião em Munique? HG: Eu me lembro que nevava bastante e duas tentativas de decolagem foram frustradas. Na terceira, eu pressenti que algo aconteceria. Desafivelei o cinto da calça, abri botões da camisa e me abaixei no assento. Fiquei nessa posição e foi a primeira vez que fiz algo certo na vida… Curioso que ainda me lembro ter pensado: “eu vou morrer aqui. Nunca mais vou ver a minha mulher, minha filha que era uma criança e, se me ferir, nem sei falar alemão!”.
L: E a saída do avião? O senhor é conhecido por ter salvo outros passageiros. HG: Depois da queda e do choque, vi que havia um buraco na fuselagem perto de onde eu estava. Era pequeno, mas comecei a chutar e chutar até que abriu um rombo suficiente para eu sair. Percebi outras pessoas caídas e feridas. Vi quem era possível levar a um lugar seguro.
L: Quantas pessoas foi possível salvar? HG: Não é que as salvei. Eu as tirei de perto do avião porque achei que havia risco de explosão. Bobby Charlton teve muita sorte porque não se machucou muito. Ele estava caído com um ferimento na cabeça. Eu o afastei da aeronave e comecei a gritar por Jackie (Blanchflower), que era meu melhor amigo. Jogamos juntos na escola na Irlanda do Norte. No meio do caminho, encontrei Matt (Busby, o treinador). Ele também não parecia muito ferido, mas quase morreu no hospital (recebeu a extrema-unção duas vezes). Não há como esquecer coisas como essas.