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  • Rogger da Costa

A HISTÓRIA DO DICK KERR LADIES E A PROIBIÇÃO DO FUTEBOL FEMININO EM 1921

Senhoras e senhores, completamos em 2021 cem anos da grande sacanagem do futebol mundial e acreditamos que o dia 08/03 -um dia de reflexão- seja o ideal para não deixarmos essa história ser esquecida.


Este nas fotos ao final do texto foi um dos times de maior sucesso da história da Inglaterra e - por incrível que pareça - um dos motivos que levou a FIFA a proibir o futebol feminino em 1921.


Esta é a breve (e escrotíssima) história do boicote que perdurou até 1971:


Durante a 1ª Guerra Mundial, os homens foram para o front e as mulheres, para as fábricas.


As trabalhadoras começaram a jogar entre si e o futebol feminino floresceu, inicialmente para arrecadar dinheiro para instituições de caridade que tratavam a turma que voltada toda fodida da Guerra. Mas à medida em que mais equipes cresciam e mais estádios enchiam, o negócio pegou.


Em 1917, nascia a The Mutionettes Cup, a copa das “moças das munições”, em tradução livre (as fábricas todas entre 1914 e 1918 produziam em sua maioria só munição e armamento).


E um time passou a dominar o certame - este esquadrão das fotos. Era o Dick Kerr Ladies FC, o time de uma fábrica de locomotivas (e munição) chamada “Dick, Kerr & Company Ltda” que ficava em Preston, norte de Liverpool.


Para vocês terem uma ideia do poder de fogo destas senhoras, o Dick Kerr em sua gloriosa história ganhou 759 jogos, empatou 46 e perdeu só 28!!


Durante os anos de chumbo, os jogos atraíam muito mais gente do que a Portuguesa atraia no Canindé no seu auge. Em 1920, o Dick Kerr Ladies FC derrotou a seleção da França por 2x0 diante de 25.000 pessoas no que foi o primeiro jogo internacional da associação feminina de futebol. Só alegria, né?


Bem... A Guerra acabou, a Inglaterra ganhou, os homens voltaram do front e o futebol feminino continuava alegrando multidões.


Aí, em 26 dezembro de 1920 (um ‘boxing day’ no Reino Unido, dia de abrir presentes de natal e ver uma peleja), o Dick Kerr Ladies FC levou quase 70 mil pessoas ao Goodison Park, estádio do Everton. 53 mil conseguiram ingresso e em torno de 14 mil ficaram de fora.


Para se ter uma ideia da popularidade do Dick Kerr, no mesmo dia e na mesma cidade, Liverpool x Arsenal levaram ao Anfield “apenas” 50 mil pessoas. A primeira final da Copa da Inglaterra depois da 1ª Guerra atraiu também menos gente do que o Dick Kerr FC juntou no Goodison Park naquele 26 de dezembro.


Este jogo só foi perder o título de recorde de público de futebol feminino em 2019, depois de 99 anos.


O partida histórica foi um 4x0 para o Dick Kerr contra o St Helens Ladies e arrecadou mais de £3.000 (equivalente a mais ou menos R$ 1 milhão em dinheiro de hoje) para ex-combatentes desempregados e combalidos.


Foi a glória. E a rasteira não tardou.


Cartolas dos times masculinos ficaram enfurecidos.


Por entender que o sucesso da liga feminina tiraria interesse ou atrapalharia a liga masculina (ou por pura ciumeira ou machismo mesmo, ou tudo junto e misturado), a cartolagem fez lobby junto à federação inglesa e em 1921 a Football Association (FA) aprovou a seguinte resolução - a transcrição é literal:


“O jogo de futebol é bastante inadequado para as mulheres e não deve ser encorajado. Por esta razão, o conselho solicita aos clubes pertencentes à associação que RECUSEM o uso de seus campos para tais partidas.”


A FA também proibiu seus membros de atuarem como árbitros ou bandeirinhas em jogos de futebol feminino. E um adendo nefasto da coisa toda era o seguinte: meninas também não podiam jogar nas escolas porque nesta época as escolas e universidades eram filiadas à FA.


E como a federação inglesa era o membro mais poderoso da FIFA, a proibição virou internacional. Até 1971, qualquer membro da FIFA que permitisse que mulheres jogassem em seus campos seria BANIDO da federação (ah, a FIFA, sempre FIFA).


Só lembrando: aquelas senhoritas além de arrecadar dinheiro, NÃO eram pagas para jogar futebol.


Mas assim foi, e diferentemente do que aconteceu com o tênis, vôlei e tantos outros esportes, o futebol feminino foi reduzido por meio século a mera “atividade recreativa”.


Não é à toa que a primeira Copa do Mundo feminina só foi acontecer em 1991.


Em 1922, as ladies do Dick Kerr FC partiram para um tour pela América do Norte. Não puderam jogar no Canadá (parte do império britânico), mas nos Estados Unidos jogaram bonito. Elas enfrentaram times masculinos e voltaram para casa com 3 vitórias, 3 derrotas e alguns empates.


A craque do time era uma ponta-esquerda chamada Lily Parr (a primeira da foto segurando a bola).


Ela era conhecida por uma canhotinha de ouro que rachava as traves de madeira.


Lily marcou em torno de MIL GOLS na carreira, de acordo com o Museu Nacional de Futebol da Inglaterra.


Após a guerra, mesmo sem apoio e estádio para jogar, Lily continuou jogando enquanto trabalhava como enfermeira em um hospital psiquiátrico de Preston até pendurar as chuteiras em 1951.


Em 2002, Lily virou a primeira mulher a entrar para o hall da fama do futebol inglês, e o futebol feminino hoje floresce novamente. Mas o dano que a cartolagem causou em 1921 para Lily Parr e todo mundo é - e talvez sempre será - irreparável.


por Alexandre Xavier


PARA SABER MAIS:

• Documentário: do canal inglês Channel 4 (difícil de achar online, mas quem sabe) “When Football Banned Women”








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