Renato Gaúcho foi jogador. Sabe muito bem o trauma que Diego Souza carrega.
Foram oito anos pensando no lance que poderia ter transformado a sua carreira, a sua vida, o seu futuro. O técnico queria acabar com a mágoa, com a autocrítica que atormentava o seu meia-atacante há longos oito anos.
Mas Renato Gaúcho não é psicólogo.
Não sabia que Diego Souza não estava preparado. E tudo o que conseguiu foi aumentar ainda mais a frustração. Os dois lances estavam separados por oito anos e 22 dias.
Primeiro, 23 de maio de 2012. Pacaembu, lotado.
Quartas de final de Libertadores. O Corinthians, de Tite, havia empatado em São Januário por 0 a 0. A torcida estava ensandecida.
O Vasco, de Cristóvão Borges, era consistente, passava confiança. O jogo estava duro, equilibrado, tenso. Empatado, sem gols.
Com a obrigação da vitória, o Corinthians partia para o ataque. E já um tanto afobado, tenso. Até que o lateral Alessandro pegou na intermediária, um rebote de Fernando Prass. Ele iria repor a bola na área vascaína. Só que Diego Souza cortou a bola. E disparou sozinho da intermediária carioca até a área corintiana.
Alessandro foi travado aos 17 minutos e 40 segundos do segundo tempo. Diego Souza carregou a bola por 52 metros.
Foram nove segundos de agonia. Até 17 minutos 49 segundos.
"Lembro que eu e Fábio Santos corríamos quase lado a lado, tentando chegar próximos do Diego Souza, e parecia que quanto mais força a gente fazia mais distante ficávamos, tamanha a tensão"
"A gente tentava diminuir a distância e não conseguia, então tinha que rezar, esperar. Não sei quantos segundos levou.
"Parece que foi uma eternidade. Parecia que eu estava preso no campo, amarrado, sem sair do lugar.
"Mesmo depois da vitória, da classificação. Rolou uma tensão, eu era o único que não falava nada. No vestiário eu fiquei mudo. Não consegui dormir, em choque. Toda hora pensando? Você liga a TV, estão falando da conquista e lembrando do lance", relembrou Alessandro.
Ele sabe que esteve para ser o vilão da eliminação do Corinthians da única Libertadores que o Corinthinas venceu.
Nestes oito anos, Diego Souza evita falar sobre o lance. Não gosta. Sabe o que significou à sua carreira. Mas quando fala, tenta se valorizar, lembrando que ele mesmo proporcionou a chance que ninguém esquece.
"Eu pego uma bola que eu proporcionei. Eu pressiono [o ex-lateral Alessandro], eu ganho. Eu saio correndo 70 metros (foram 52 metros) e venho pensando no que vou fazer: vou tirar do goleiro. Pode ver que eu diminuo a velocidade. Tirei, mas ele foi feliz", diz, admitindo a inesquecível defesa de Cássio.
Se Diego marcasse, o Corinthians teria de marcar dois gols, a chance de o clube carioca ir para a semifinal daquela Libertadores seria gigantesca.
"Torcedores se ajoelharam e beijaram minhas mãos me agradecendo pela defesa", relembra Cássio.
O lance do ponto de vista do goleiro:
"Eu esperei e olhei para os dois lados para ver se estava bem posicionado. Esperei, esperei e consegui usar toda a minha explosão, minha altura (1,96) para tirar coma ponta dos dedos a bola do gol."
O futuro de Cássio e de Diego Souza ficou amarrado ao lance. Até porque, aos 42 minutos do segundo tempo, Paulinho marcou o gol que garantiu a classificação do clube paulista à semifinal da Libertadores.
O goleiro, que tinha 24 anos, ganhou de vez prestígio no Corinthians. Foi campeão da Libertadores e do Mundial de 2012. Virou presença constante na Seleção Brasileira. Estava no grupo, como terceiro goleiro, na Copa do Mundo de 2018.
Se tornou o melhor goleiro corintiano na história.
Diego Souza caiu em desgraça, depois daquela eliminação. Não tinha mais ambiente no Vasco da Gama. Em vez de ir para algum clube grande da Europa, como sonhava, aos 26 anos, foi para o futebol árabe, no Al-Ittihad. Decaiu como jogador.
Perambulou pelo Cruzeiro, Metalist, Sport, Fluminense, São Paulo, Botafogo e Grêmio.
Tudo isso estava em jogo quando, no sábado à noite, em Porto Alegre, quando o Grêmio enfrentava o Corinthians.
Era a 15ª vez que encontrava o goleiro corintiano. Com apenas um gol marcado.
Aos 27 minutos do segundo tempo, Michel derrubou o próprio Diego Souza, dentro da área. Pênalti.
Renato Gaúcho autorizou Diego Souza para cobrar.
Seria o exorcismo do gol que perdeu no Pacaembu, em 2012?
O meia-atacante pegou a bola, respirou. A vingança, a revanche estava no seu pé direito.
Cássio apenas o olhou, respeitoso. Não falou nada, não apontou canto.
Diego deu sete passos para trás. Depois, andou três na direção da bola.
Acelerou nos últimos quatro. E bateu com a 'chapa' no pé.
No mesmo canto esquerdo que Cássio havia defendido seu chute no Pacaembu.
Mas o medo de errar pesou na 'mira'. A bola foi à meia altura, para fora.
Diego Souza repete o mesmo gesto de oito anos e 22 dias atrás.
Ele passa as duas mãos pelo rosto, inconformado. Olha para Cássio, para o gramado. Abaixa a cabeça.
Renato Gaúcho fica impassível, para não piorar as coisas.
Cássio vibra, levanta os dois braços, comemorando. E ganha um grande abraço de Gabriel.
A psicologia segue cada vez mais presente no futebol. Diego Souza não conseguiu se liberar do seu trauma.
Aliás, ele só se agravou. E Cássio ficou cada vez mais confiante.
Quando tiver Diego Souza pela frente. Sua mente terá o reflexo condicionado de Pavlov.
Ver o meia-atacante significa final feliz.
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