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  • Rogger da Costa

Gylmar e Cláudio: dois goleiros e um destino

Atualizado: 18 de mai. de 2020

Por Odir Cunha, do Centro de Memória – Originalmente publicado em SANTOS FC

Como a decantada imponderabilidade do futebol pode explicar que dois dos maiores goleiros do Santos e do Brasil tenham nascido no mesmo dia 22 de agosto, com a diferença exata de uma década?

O primeiro, Gylmar dos Santos Neves, quatro vezes campeão mundial – duas pelo Santos, duas pela Seleção Brasileira – era técnico, elástico e frio mesmo nos momentos mais turbulentos da partida.

Seu idendipartário, Cláudio César de Aguiar Mauriz, ou apenas Cláudio, era igualmente técnico, ágil e tranquilo, além de um líder nato, que comandava a defesa com berros incansáveis.

Para quem acredita em horóscopo, é oportuno lembrar que ambos nasceram no último dia do signo de Leão, o que pressupõe dominância, vontade de se destacar, atributos normalmente encontrados nos bons goleiros.

Nascido em 22 de agosto de 1930, uma sexta-feira, no bairro do Macuco, Gylmar iniciou sua carreira na equipe amadora dos Portuários da Companhia Docas de Santos. Sua altura, 1,81m, lhe rendeu o apelido de Girafa. No começo, imitava as pontes de Oberdan Catani, do Palmeiras, flagrado pelas lentes de A Gazeta Esportiva.

Dez anos depois, no Rio de Janeiro, nasceu Cláudio Mauriz. Aos 20 anos ele ingressou no Fluminense, onde aprendeu os primeiros segredos da posição com Carlos José Castilho, ídolo do clube. Mesmo com pouca estatura para um goleiro, apenas 1,75m, Cláudio descobriu como usar a colocação, a antecipação e, em última instância, a coragem, para impedir os gols adversários.

O sucesso não chegou de imediato para os dois notáveis arqueiros. Primeiro Gylmar se desdobrou na meta do Jabaquara, um time sempre às voltas com a ameaça de rebaixamento; depois defendeu o Corinthians, um clube em crise permanente, e só em 1962, aos 31 anos, viveu o sonho de jogar naquele Santos irresistível.

Olaria e Bonsucesso foram os destinos de Cláudio antes de aportar na Vila Belmiro, em 1965, contratado justamente para ser o substituto de Gylmar quando este abandonasse as luvas.

Porém, como se remoçasse naquele time deslumbrante, Gylmar se manteve titular absoluto do Santos até o final de 1966, quando Claúdio passou a ter suas oportunidades e, mesmo assim, alternando-se na posição com o próprio Gylmar e com Laércio José Milani, outro goleiro acima da média.

Ícone da posição, Gylmar fez 331 jogos pelo Alvinegro Praiano, pelo qual ganhou 18 títulos oficiais e superou situações desafiadoras, como nas vitórias sobre Penãrol e Boca Juniors, ambas fora de casa, nos títulos da Copa Libertadores de 1962 e 1963. Jogou ainda 103 partidas pela Seleção Brasileira, que defendeu nas Copas de 1958 e 1962.

Elegante, inspirava tal confiança que mesmo depois de uma falha não havia como desgostar dele. Não era como outros goleiros que se arrastavam, pesarosos, até o fundo do gol para buscar a bola, como se o mundo pesasse sobre seus ombros. Gylmar, acima de tudo, era altivo. Claudio seguia a mesma estirpe.

No começo, a invejável colocação do jovem arqueiro carioca deu a impressão de que ele tinha apenas muita sorte. A bola passava raspando, batia na trave, mas não entrava. Logo, porém, percebeu-se que se tratava de um goleiro exemplar. De 1965 a 1973 fez 232 jogos pelo Santos e conquistou dez títulos oficiais. Um de seus momentos inesquecíveis ocorreu em 17 de dezembro de 1966, em um confronto com o arquirrival Corinthians pelo Campeonato Paulista.

O Santos não ia bem no segundo turno daquele campeonato e o adversário via naquela partida a grande chance de quebrar o tabu que persistia desde 1957. Flávio abriu o marcador para o alvinegro da capital no primeiro tempo, Zito empatou no segundo e o Santos segurava o empate quando, a um minuto para o final, o árbitro Armando Marques marcou um pênalti a favor do time paulistano.

Os torcedores adversários se ouriçaram. O fatídico tabu, que tornava crentes fervorosos em ateus convictos, e vice-versa, finalmente não existiria mais. O meia Nair, contratado da Portuguesa, se preparou para a cobrança. Seria marcar e comemorar o gol, a vitória e o alívio tão esperado, já que não haveria tempo para mais nada. Mas uma pessoa no meio daquela loucura estava tranquila e concentrada. Imune ao alarido que ecoava pelo Pacaembu, Cláudio se atirou e fez a defesa, esticando o sofrimento alheio para mais dois anos.

Suas exibições o levaram à Seleção Nacional. Entre 1962 e 1969 fez 10 jogos oficiais e um não oficial pelo Escrete, com o saldo de nove vitórias, um empate e uma derrota. No último jogo, em 6 de julho de 1969, substituiu Félix na goleada sobre a Seleção da Bahia por 4 a 0, em Salvador. Era um dos preferidos do técnico João Saldanha e certamente iria para a Copa do México não fossem seus crônicos problemas no joelho.

Inteligente, bem educado, Cláudio falava Inglês e Espanhol, além de arranhar o Alemão, em uma época em que os jogadores mal colocavam o “s” nos plurais – aliás, como ainda hoje. Fora de campo, buscava orientar os mais jovens, ou os menos disciplinados.

Gylmar também evitava farras, a ponto de pedir leite nas poucos vezes em que acompanhava os companheiros em um programa noturno. Uma fratura de clavícula, quando ainda jogava pelo alvinegro da Capital, foi sua contusão mais grave. No mais, manteve certa longevidade, a ponto de jogar até os 39 anos. Cláudio, por sua vez, não teve a mesma sorte.

Sua coragem, após sucessivos choques com atacantes, lhe custou a extração dos quatro meniscos. Como se sabe, cada joelho tem dois meniscos, em formato de meia lua, acima da tíbia. Um medial e um lateral, que dão mais mobilidade e lubrificam o joelho. Cláudio perdeu todos eles, o que o afastou do futebol por mais de um ano. Mas seu problema mais sério não foi esse.

Fumante desde os 12 anos, acabou contraindo câncer nas cordas vocais. Teve o apoio do Santos e dos santistas, foi levado para tratamento com especialistas em Nova York; Pelé, então no Cosmos, o visitava quase todos os dias, mas nada impediu sua morte, em 24 de junho de 1979, aos 38 anos.

Ao abandonar o futebol, Gylmar trabalhou em sua concessionária de automóveis e assumiu cargos administrativos na Confederação Brasileira de Futebol e na Secretaria Municipal de Esportes. Em 2000 um Acidente Vascular Cerebral tirou-lhe a fala e o colocou em uma cadeira de rodas. Em 2013 teve um infarto e não resistiu. Faleceu em São Paulo, em 25 de agosto de 2013, apenas três dias depois de completar 83 anos.

Ao contrário do dia do nascimento, não há semelhanças na morte desses dois grandes goleiros. Um se foi depois de alcançar todas as glórias que o futebol pode reservar a um arqueiro; o outro teve a carreira interrompida quando atingia o auge da técnica e da maturidade. Mas o pesquisador tem a prerrogativa de perfilá-los, lado a lado, na rica história do Santos. Além, é claro, de viverem, eternamente, na memória e no coração dos santistas.

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